terça-feira, 4 de outubro de 2011

OBRAS DE ARTE ANTIGA VENDIDAS

fig.1 Contador em madeira de Cedro decorado com motivos vegetalistas e geométricos, figuras de animais fantásticos e legenda "AVE MARIA GRATIA PLENA". Decoração incisa (dito esgrafitado ou grafitado). Portugal, séc. XVI.


fig.2 Escultura, em alabastro (dito Nottingham), de N. Senhora, em majestade, c/ o menino Jesus apoiado, em pé, sobre a perna direita de N. Sª. Inglaterra, séc. XV.


fig.3 Par de estribos em ferro tauxiado, prata, latão, madrepérola, laca e madeira. Período Momoyama. Japão, séc. XVI.


 
fig.4. Escritório de estrado c/ tabuleiro de jogo (para gamão e/ou xadrez) na parte superior, em madeira de cedro ou sanguinho, decorado por motivos vegetalistas, animais fantásticos, pássaros exóticos e legenda em latim "SECRETVM MV MI QVE". Decoração incisa (dito esgrafitado ou grafitado). Renascença. Provavelmente Portugal, Açores.

fig.4.1 pormenor da parte frontal do escritório de estrado renascentista 


 fig.5 Arca em madeira de cedro decorado com figuras de animais fantásticos, motivos vegetalistas e um coração trespassado no seu interior. Decoração incisa(dito esgrafitado ou grafitado). Portugal, séc. XVI (provavelmente manufacturado nos Açores).




terça-feira, 28 de junho de 2011

A ORIGEM

A vida tem uma origem e, nos seus diversos planos, há sempre uma história por detrás de qualquer coisa.

fig.1 - porm. de um Brasão de Armas em granito. Portugal | circa 1600 (antiga colecção Portocarrero Baganha)

Em jeito de homenagem tentarei contar aqui, de forma resumida, a história de um sonho: justa ambição de um homem, em negócio de família, que de facto nasceu e viveu durante três gerações.

fig.3 - Jerónimo Baganha (final dos anos 80)
fig.4 - Jerónimo Baganha (infância)



















 Jerónimo Portocarrero Baganha dedicou toda a sua vida à arte, em particular a "arte antiga". Foi o fundador do antiquário "Portocarrero Baganha". Homem empreendedor, carismático, e com uma profunda paixão pela arte, abria também a sua mente ao património resgatado pela "História da Arte", o que muito contribuiu para a realização e êxito do seu verdadeiro projecto: ser antiquário

fig.5 - Portocarrero Baganha, FIL - 5º Salão de Antiguidades | abril, 1970

fig.6 - aspecto parcial de uma das salas do antiquário Baganha na rua de D. Hugo, nº 13

Desde cedo, Jerónimo Baganha começou a demonstrar interesse pelas coisas antigas, esgravatando, em criança, a terra do jardim da casa de seus pais, em busca (tesouro que encontrou) de moedas romanas e outros artefactos, trabalho algo empírico levado a cabo na deriva da infância passada em Viana do Castelo, sua terra natal.

fig.7 - vista da cidade do Porto | actualmente
Mas foi na adolescência, já na "Antiga, Muy Nobre, Sempre Leal e invicta" cidade do Porto, que Jerónimo Baganha iniciou as suas incursões nos antiquários, aprendendo truques e segredos, engenhos ou habilidades tão esplendorosas que só a sabedoria de certas raposas-velhas lhe poderiam, em certa medida, legar. Assim, o jovem Baganha lá foi progredindo, comprando, vendendo e coleccionando os mais variados e raros objectos de arte até se estabelecer naquela que viria a tornar-se uma das mais emblemáticas lojas do antiquariato portuense: a vetusta casa nº 13 da rua de D. Hugo, situada no pitoresco bairro da Sé, em frente à "Casa-Museu Guerra Junqueiro". 

fig.8 - rua de D. Hugo (à esq. Casa-Museu Guerra Junqueiro, ao fundo e à dir. antiquário P. Baganha)






 
fig.9 - porm. do portão do antiquário Baganha
fig.10 - janela do antiquário Baganha



















 Aqui, nesta casa particularmente assinalada pelo encantatório batente de ferro forjado em forma de crocodilo, símbolo do grande portão nº 13 almofadado em verde, o menino dos achados arqueológicos se transformou num reputado antiquário e coleccionador de um dos maiores espólios de arte antiga do país. 

fig.11 - porm. do portão

fig.12 - porm. do interior de um Mercedes 190d w110 de 1968
O nome Baganha, no âmbito deste sector comercial, difundia-se pelo país (alguns pontos da Europa também), tal como Jerónimo fazia ao percorrer Portugal e Espanha (sobretudo pelo interior) na sua carrinha, uma Mercedes 190dc conduzida pelo  Marinho, chauffeur de longa data. Certas pessoas testemunharam (histórias que ele próprio contava) o seu popular costume de entrar  nas aldeias com peças de mobiliário atadas ao tejadilho da Mercedes, pequenas "mesas-de-encostar" ou fauteuils que serviam de chamariz, chamando a atenção dos habitantes locais e publicitando o interesse pelos artigos expostos — um método de compra infalível e de resultados imediatos, afirmava ele. 

fig.13 - Portocarrero Baganha/João Baptista, FIL - 4º Salão de Antiguidades | abril, 1968 -  (da esq. para a direita: Américo Tomás, João Baptista, Jerónimo Baganha, Rui Baganha)



fig.14 - Portocarrero Baganha, FIL - 5º Salão de Antiguidades | abril, 1970 - (da esquerda para a direita: Américo Tomás, Jerónimo Baganha)

Através de avaliações e a respectiva aquisição de recheios a coleccionadores e/ou herdeiros de famílias aristocratas, comprando ocasionalmente em leiloeiras do Porto e Lisboa e, mais tarde, expondo em feiras de património antigo (FIL), Jerónimo Baganha atingiu um elevado estatuto de connaisseur, largamente respeitado. Com efeito, ele foi um homem de grande sabedoria, um cavalheiro de trato nobre, polido: comportamento que o levou a ser distinguido por certas franjas da sociedade portuguesa. A casa-loja da rua de D. Hugo, dividida entre a actividade comercial e habitação, por um período de (aproximadamente) 30 anos, foi, para muitos, mais do que um simples espaço comercial: era assim como um refúgio de certos clientes amantes de arte, personalidades das várias esferas culturais (alguns, em pouco tempo, amigos pessoais) que o visitavam, sobretudo, pelas profícuas tertúlias ocorridas durante os serões junto ao grande fogão de sala. 

fig.15 - aspecto parcial da sala principal do antiquário Portocarrero Baganha

fig.16 - Sala  principal do antiquário Portocarrero Baganha | final dos anos 70 (da esquerda para a direita:  
Arq. Fernando de Távora, Dr. Carlos Sousa, Arq. Agostinho Ricca, José Lino da Mota, Jerónimo Baganha, Dr. Joaquim Torres, Eng. Bernardo Ferrão, Dr. Pires de Lima)

O grau cultural de Jerónimo Baganha era de boa amplitude: abrangia uma panóplia de tipos de arte antiga (no âmbito euro-asiático), nomeadamente Pintura, Escultura e Mobiliário, Porcelana, Faiança e Armas, Ourivesaria, Azulejaria e Tapeçaria. Privilegiando a arte sacra, aprofundou os estudos hagiológicos, facto que contribuiu para se tornar, também aqui, numa forte referência. No sentido pedagógico, foi consultado não só por clientes mas inclusive por curadores de museus, críticos de arte e historiadores.


fig.17 - aspecto parcial de uma sala do antiquário Baganha (rua de D. Hugo nº 13)



  figs.18, 19, 20, 21, 22 - objectos de arte sacra vendidos pelo antiquário Portocarrero Baganha


Após a sua morte, a loja de antiquário ficou a cargo de Rui Baganha, irmão mais novo, o único de três irmãos herdeiros com competência suficiente para dar continuidade ao "negócio" (devido à sua ligação directa ao antiquariato, no âmbito do restauro e conservação de obras de arte antiga e comércio de objectos de arte doutra cena cultural; concretamente, no que se refere ao período da Belle Époque, com maior focagem na Art Noveau).
 
fig.24 - pintura s/ madeira durante uma fase de restauro

fig.23 - Rui Baganha

O pequeno império legado por Jerónimo Baganha foi conduzido, então, por Rui Baganha, e assim prosseguiu até a falência natural da condição humana suceder também neste caso: Rui Baganha, o irmão poeta, faleceu, cerca de dez anos depois, e os restantes irmãos, sem os conhecimentos e motivação necessários para uma gestão adequada ao ramo, decidiram dividir as quotas entre si e retirar-se da actividade. 
A partir daqui, a gerência passou para Pedro Baganha, filho mais velho de Rui Baganha e sobrinho de Jerónimo Baganha, que constituiu uma nova sociedade com sua mãe e seus dois irmãos, desígnio cujo objectivo seria explorar a possibilidade de perpetuar tão grande legado, quer ao nível do espólio como na responsabilidade em manter a boa reputação criada pelas gerações anteriores.

fig.25 - Portocarrero Baganha, Feira de Antiguidades da Alfândega do Porto | dezembro, 1998

fig.26 - par de estribos, Namban, per. Momoyama. Japão | 1573-1615 (antiga colecção Portocarrero Baganha)

fig.27 - aspecto parcial de uma sala do antiquário Portocarrero Baganha (rua de D. Hugo nº13)

A terceira geração de antiquários conseguiu manter a actividade, por um período de 10 anos, com razoável sucesso (na sequência da sua participação em feiras de património antigo, tornou-se membro da CINOA, APA, AAGNP). Contudo e entretanto, a loja da casa-mãe, a saudosa nº 13, onde tudo começou, viria a encerrar em consequência de um litígio com o senhorio. No entanto, o antiquário (e parte do sonho) ainda resistiu a mais este percalço, mudando para as instalações de uma loja, com duas grandes montras, mais moderna e dispondo de um imenso espaço para a exposição de mobiliário e outros objectos de grande porte. 

 

figs.28, 29, 30 - aspecto parcial de algumas salas do antiq. Portocarrero Baganha (r. Faria Guimarães, 295)

Estas transferências nem sempre se mostram claras e apelativas, sobretudo pela dificuldade existente na relação complementar do novo e do antigo. Mesmo em alguns casos mais aceites, e da moda nos arranjos, a instalação de conjunto perde certo valor apelativo, falta de referentes históricos, fragilidade da memória mítica ou mística com os contextos actuais: essa carga, além de ser importante, senão fundamental, não se verificava nas novas instalações, colocando-se em oposição ao enlevo da anterior casa nº13, na rua de D. Hugo, lugar que apelava à memória antiga, as tais referências místicas, quase mágicas. Tratava-se de um lugar carismático, sem dúvida: assim o viam e sentiam os seus frequentadores habituais.

fig.31 - sala principal do antiquário Portocarrero Baganha (rua de D. Hugo, nº13)


A nova loja, por isso e pelos ventos consumistas, viria a encerrar cerca de quatro anos depois.

fig.32 - uma das salas do antiquário Portocarrero Baganha (r. de Faria Guimarães, 295)



Jerónimo Portocarrero Baganha foi um homem ímpar, pela sua determinação, sabedoria e trato peculiar. Uma personalidade distinta entre os demais, cuja impressão digital ficará para sempre gravada na cena do antiquariato nacional.

fig.33 - Jerónimo Portocarrero Baganha


Como os leitores podem imaginar, inúmeras histórias ocorreram durante o percurso deste antiquário, desde a primeira geração até à mais recente. Neste sentido, alguns episódios serão aqui relembrados, pertinentemente e a preceito, privilegiando o passado glorioso dos sonhos e das conquistas, no fiel da época.


* Miguel Baganha


(*Miguel Baganha, filho de Rui Baganha e sobrinho de Jerónimo Baganha, pertence a uma geração de antiquários por tradição)