A vida tem uma origem e, nos seus diversos planos, há sempre uma história por detrás de qualquer coisa.
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fig.1 - porm. de um Brasão de Armas em granito. Portugal | circa 1600 (antiga colecção Portocarrero Baganha) |
Em jeito de homenagem tentarei contar aqui, de forma resumida, a história de um sonho: justa ambição de um homem, em negócio de família, que de facto nasceu e viveu durante três gerações.
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fig.3 - Jerónimo Baganha (final dos anos 80) |
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fig.4 - Jerónimo Baganha (infância) |
Jerónimo Portocarrero Baganha dedicou toda a sua vida à arte, em particular a "arte antiga". Foi o fundador do antiquário "Portocarrero Baganha". Homem empreendedor, carismático, e com uma profunda paixão pela arte, abria também a sua mente ao património resgatado pela "História da Arte", o que muito contribuiu para a realização e êxito do seu verdadeiro projecto: ser antiquário.
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fig.5 - Portocarrero Baganha, FIL - 5º Salão de Antiguidades | abril, 1970 |
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fig.6 - aspecto parcial de uma das salas do antiquário Baganha na rua de D. Hugo, nº 13 |
Desde cedo, Jerónimo Baganha começou a demonstrar interesse pelas coisas antigas, esgravatando, em criança, a terra do jardim da casa de seus pais, em busca (tesouro que encontrou) de moedas romanas e outros artefactos, trabalho algo empírico levado a cabo na deriva da infância passada em Viana do Castelo, sua terra natal.
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fig.7 - vista da cidade do Porto | actualmente |
Mas foi na adolescência, já na "Antiga, Muy Nobre, Sempre Leal e invicta" cidade do Porto, que Jerónimo Baganha iniciou as suas incursões nos antiquários, aprendendo truques e segredos, engenhos ou habilidades tão esplendorosas que só a sabedoria de certas raposas-velhas lhe poderiam, em certa medida, legar. Assim, o jovem Baganha lá foi progredindo, comprando, vendendo e coleccionando os mais variados e raros objectos de arte até se estabelecer naquela que viria a tornar-se uma das mais emblemáticas lojas do antiquariato portuense: a vetusta casa nº 13 da rua de D. Hugo, situada no pitoresco bairro da Sé, em frente à "Casa-Museu Guerra Junqueiro".
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fig.9 - porm. do portão do antiquário Baganha |
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fig.10 - janela do antiquário Baganha |
Aqui, nesta casa particularmente assinalada pelo encantatório batente de ferro forjado em forma de crocodilo, símbolo do grande portão nº 13 almofadado em verde, o menino dos achados arqueológicos se transformou num reputado antiquário e coleccionador de um dos maiores espólios de arte antiga do país.
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fig.11 - porm. do portão |
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fig.12 - porm. do interior de um Mercedes 190d w110 de 1968 |
O nome Baganha, no âmbito deste sector comercial, difundia-se pelo país (alguns pontos da Europa também), tal como Jerónimo fazia ao percorrer Portugal e Espanha (sobretudo pelo interior) na sua carrinha, uma Mercedes 190dc conduzida pelo Marinho, chauffeur de longa data. Certas pessoas testemunharam (histórias que ele próprio contava) o seu popular costume de entrar nas aldeias com peças de mobiliário atadas ao tejadilho da Mercedes, pequenas "mesas-de-encostar" ou fauteuils que serviam de chamariz, chamando a atenção dos habitantes locais e publicitando o interesse pelos artigos expostos — um método de compra infalível e de resultados imediatos, afirmava ele.
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fig.13 - Portocarrero Baganha/João Baptista, FIL - 4º Salão de Antiguidades | abril, 1968 - (da esq. para a direita: Américo Tomás, João Baptista, Jerónimo Baganha, Rui Baganha) |
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fig.14 - Portocarrero Baganha, FIL - 5º Salão de Antiguidades | abril, 1970 - (da esquerda para a direita: Américo Tomás, Jerónimo Baganha) |
Através de avaliações e a respectiva aquisição de recheios a coleccionadores e/ou herdeiros de famílias aristocratas, comprando ocasionalmente em leiloeiras do Porto e Lisboa e, mais tarde, expondo em feiras de património antigo (FIL), Jerónimo Baganha atingiu um elevado estatuto de connaisseur, largamente respeitado. Com efeito, ele foi um homem de grande sabedoria, um cavalheiro de trato nobre, polido: comportamento que o levou a ser distinguido por certas franjas da sociedade portuguesa. A casa-loja da rua de D. Hugo, dividida entre a actividade comercial e habitação, por um período de (aproximadamente) 30 anos, foi, para muitos, mais do que um simples espaço comercial: era assim como um refúgio de certos clientes amantes de arte, personalidades das várias esferas culturais (alguns, em pouco tempo, amigos pessoais) que o visitavam, sobretudo, pelas profícuas tertúlias ocorridas durante os serões junto ao grande fogão de sala.
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fig.15 - aspecto parcial da sala principal do antiquário Portocarrero Baganha |
O grau cultural de Jerónimo Baganha era de boa amplitude: abrangia uma panóplia de tipos de arte antiga (no âmbito euro-asiático), nomeadamente Pintura, Escultura e Mobiliário, Porcelana, Faiança e Armas, Ourivesaria, Azulejaria e Tapeçaria. Privilegiando a arte sacra, aprofundou os estudos hagiológicos, facto que contribuiu para se tornar, também aqui, numa forte referência. No sentido pedagógico, foi consultado não só por clientes mas inclusive por curadores de museus, críticos de arte e historiadores.
figs.18, 19, 20, 21, 22 - objectos de arte sacra vendidos pelo antiquário Portocarrero Baganha
Após a sua morte, a loja de antiquário ficou a cargo de Rui Baganha, irmão mais novo, o único de três irmãos herdeiros com competência suficiente para dar continuidade ao "negócio" (devido à sua ligação directa ao antiquariato, no âmbito do restauro e conservação de obras de arte antiga e comércio de objectos de arte doutra cena cultural; concretamente, no que se refere ao período da Belle Époque, com maior focagem na Art Noveau).
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fig.24 - pintura s/ madeira durante uma fase de restauro
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fig.23 - Rui Baganha |
O pequeno império legado por Jerónimo Baganha foi conduzido, então, por Rui Baganha, e assim prosseguiu até a falência natural da condição humana suceder também neste caso: Rui Baganha, o irmão poeta, faleceu, cerca de dez anos depois, e os restantes irmãos, sem os conhecimentos e motivação necessários para uma gestão adequada ao ramo, decidiram dividir as quotas entre si e retirar-se da actividade. A partir daqui, a gerência passou para Pedro Baganha, filho mais velho de Rui Baganha e sobrinho de Jerónimo Baganha, que constituiu uma nova sociedade com sua mãe e seus dois irmãos, desígnio cujo objectivo seria explorar a possibilidade de perpetuar tão grande legado, quer ao nível do espólio como na responsabilidade em manter a boa reputação criada pelas gerações anteriores.
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fig.25 - Portocarrero Baganha, Feira de Antiguidades da Alfândega do Porto | dezembro, 1998 |
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fig.26 - par de estribos, Namban, per. Momoyama. Japão | 1573-1615 (antiga colecção Portocarrero Baganha) |
A terceira geração de antiquários conseguiu manter a actividade, por um período de 10 anos, com razoável sucesso (na sequência da sua participação em feiras de património antigo, tornou-se membro da CINOA, APA, AAGNP). Contudo e entretanto, a loja da casa-mãe, a saudosa nº 13, onde tudo começou, viria a encerrar em consequência de um litígio com o senhorio. No entanto, o antiquário (e parte do sonho) ainda resistiu a mais este percalço, mudando para as instalações de uma loja, com duas grandes montras, mais moderna e dispondo de um imenso espaço para a exposição de mobiliário e outros objectos de grande porte.
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figs.28, 29, 30 - aspecto parcial de algumas salas do antiq. Portocarrero Baganha (r. Faria Guimarães, 295) |
Estas transferências nem sempre se mostram claras e apelativas, sobretudo pela dificuldade existente na relação complementar do novo e do antigo. Mesmo em alguns casos mais aceites, e da moda nos arranjos, a instalação de conjunto perde certo valor apelativo, falta de referentes históricos, fragilidade da memória mítica ou mística com os contextos actuais: essa carga, além de ser importante, senão fundamental, não se verificava nas novas instalações, colocando-se em oposição ao enlevo da anterior casa nº13, na rua de D. Hugo, lugar que apelava à memória antiga, as tais referências místicas, quase mágicas. Tratava-se de um lugar carismático, sem dúvida: assim o viam e sentiam os seus frequentadores habituais.
A nova loja, por isso e pelos ventos consumistas, viria a encerrar cerca de quatro anos depois.
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fig.32 - uma das salas do antiquário Portocarrero Baganha (r. de Faria Guimarães, 295) |
Jerónimo Portocarrero Baganha foi um homem ímpar, pela sua determinação, sabedoria e trato peculiar. Uma personalidade distinta entre os demais, cuja impressão digital ficará para sempre gravada na cena do antiquariato nacional.
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fig.33 - Jerónimo Portocarrero Baganha
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Como os leitores podem imaginar, inúmeras histórias ocorreram durante o percurso deste antiquário, desde a primeira geração até à mais recente. Neste sentido, alguns episódios serão aqui relembrados, pertinentemente e a preceito, privilegiando o passado glorioso dos sonhos e das conquistas, no fiel da época.
* Miguel Baganha
(*Miguel Baganha, filho de Rui Baganha e sobrinho de Jerónimo Baganha, pertence a uma geração de antiquários por tradição)
Bom dia senhor Miguel Baganha, por um acaso muy feliz, abrí o seu site PORTOCARRERO BAGANHA e descobrí com grande emoção foto do seu tio Jeronimo e sobre tudo uma foto da minha familia em visita na caso-loja do seu tio. Compramos muitas coisas ao seu tio, e nos tornamos bons amigo. Na foto aparece minha esposa Cristiana, hoje falecida, meus dois rapazes Stephane et Nicolas e eu Paul com barba dum jovem de 35 anos. Isto foi nos anos 70 para 80, no tempo da revolução dos cravos. Vivimos 10 anos no porte de 70 para 80, trabalhei na empresa Efacec como economista belga. Seria um grande prazer encontrar o sobrinho de meu velho amigo, se um dia venha a passar pelo Porto. Um grande abraço Paul
ResponderEliminarpaolodupuis@gmail.com